Vida em condomínio que barulho é esse ?
O assunto barulho, sem dúvida, tem se tornado uma reclamação constante nos últimos tempos. Mesmo antes da pandemia, algumas pessoas já mantinham um comportamento indesejado perante seus vizinhos. Apenas o barulho do outro que atrapalha, o meu não. Esse, infelizmente, é o pensamento de muitos.
A pandemia colocou todos dentro das suas unidades autônomas, sendo que muitas delas não contam com conforto acústico para atender a todas as demandas de um condomínio. Aí virou um caos: obras, aulas, crianças, home office. Enfim, toda sorte de atividades que eram executadas externamente passou a acontecer dentro das unidades autônomas.
Diante disso, tivemos um aumento exponencial de reclamações. Todos buscavam exercer o seu direito de propriedade. Os moradores mais entusiasmados citavam o Código Civil em seus artigos 1277 a 1279 e 1336. Sem dúvida, esta situação exigiu de nós, gestores, mergulhar sobre o tema.
Segundo o jurista Caio Mario da Silva Pereira, em sua obra Instituições de Direito Civil:
“O artigo 554 do código civil estabelece limites ao livre uso da propriedade, eis que subordina as relações de vizinhança, pelo principio consagrado nessa norma. O proprietário deve exercer seu direito de propriedade sem prejudicar o bem estar , a segurança ou a saúde de seus vizinhos. No entanto o que a lei limita, é o ato abusivo e praticado com excessos, assim não considerado o que não imponha aos vizinhos maiores sacrifícios ou importunações. O conceito de mau uso ou uso nocivo da propriedade não comporta definições ou proposição dogmática, predominando o principio da relatividade, ou seja cada caso deverá ser examinado nas variadas circunstancias que apresenta. Não caracterizando abuso de direito no uso da propriedade não tem o proprietário vizinho o direito de impedir sua plena utilização. A harmonia social não se compadece com a idéia de vir o proprietário utilizar a coisa de tal modo que o exercício de seu direito se converta em sacrifício ou moléstia de seu vizinho” (INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL IV / 19, FORENSE 1 ED)
Dessa forma, aquele que conceder uso abusivo, anormal a algumas áreas condominiais, sejam comuns ou não, estará sujeito às sanções previstas em lei.
Com base na doutrina de San Tiago Dantas, estabelecem os autores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, as hipóteses de uso da propriedade e respectiva consequência jurídica:
- Uso normal, causando incômodos normais: Neste caso, o incômodo fica na órbita do ordinário, não gerando direito de qualquer espécie ao proprietário atingido, tratando-se de dano lícito causado por ato lícito.
- Uso normal, gerando incômodo anormal, mas socialmente necessário: Em tais situações, dada a relevância social da propriedade, admite-se sua continuidade sem prejuízo de uma compensação indenizatória ao proprietário prejudicado. Assim a consequência jurídica será uma indenização, porém sem a cessação da atividade.
- Uso anormal (excessivo, ilegal ou abusivo ou acima do limite tolerável com incômodo anormal: Neste caso, por inexistir justificação social ou interesse coletivo na atividade, a consequência do ilícito, objetivo será a cessação da atividade (tutela especifica e cominatória) e indenização com base na responsabilidade objetiva.
Nesta linha, o uso anormal da propriedade, constitui violação às normas previstas no Código Civil em especial os artigos 1335 e 1336. Conforme leciona Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, a norma que prevê as penalidades em razão do uso anormal da propriedade, “é de maior importância, pois resume o dever de civilidade respeito e consideração entre os comunheiros, determinando-se o equilíbrio e o respeito á esfera de interesse alheia como ponto de partida e de chegada da vida em propriedade individual e comum.”
Assim, mesmo antes das 22h não é permitido barulho além de uma intensidade aceitável, como muitos pensam. O que deve-se levar em conta é o grau do incômodo e não o horário em que se realiza.
Há, ainda, a NBR 10151/2003 da ABNT, que avalia o nível de ruído em áreas habitadas para o conforto da comunidade.
A referida norma define como limite para a área urbana estritamente residencial 50 dB (A) durante o dia e 45 dB (A) durante a noite, e nas áreas mistas predominantemente residenciais sobe para 55 dB (A) durante o dia e 50 dB (A) durante a noite.
O excesso de sensibilidade pode ser conceituado como sendo o sentimento de incômodo exagerado, demonstrado por alguém diante de situações que a população média consideraria como de incômodo ínfimo ou irrelevante.
Ao pesquisar esse tema, Manoel Carlos da Costa Leite informa que “já tem a jurisprudência decidido que ficará a critério do juiz a apreciação de cada caso de perturbação, quer do trabalho, quer do sossego, não se devendo levar em conta o excesso de suscetibilidade do queixoso, mas sim a sensibilidade média dos cidadãos”.
Assim, as reclamações exageradas de condômino sobre determinado ruído não devem prosperar, se provenientes de uma sensibilidade exacerbada, que não seja compartilhada pelos demais condôminos afetos ao mesmo ruído.
*Raul Cabral é síndico profissional, formado em Gestão Comercial e pós Graduado em Administração de Empresas.
Vida em condomínio que barulho é esse?
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