Vacinação e funcionários do condomínio

Vacinação e funcionários do condomínio

 

O que fazer quando o funcionário de condomínio não quer se vacinar contra a covid-19?

*Carlos Cabral

Desde 2020, mais precisamente em março desse ano, devido ao alarmante número de casos da doença denominada Covid 19 no mundo todo e seu alto poder de mortalidade nas populações, as autoridades dos países passaram a adotar medidas para sua contenção: distanciamento, uso de máscaras, lockdown que foi adotado em alguns países, fechamento do comércio, escolas, cinemas, teatros, adoção do trabalho à distância quando possível, dentre outras medidas que vêm sendo abrandadas com o avanço da vacinação.

Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito deste artigo achamos importante apresentar algumas definições:

  • Coronavírus: nome dado a uma extensa família de vírus que se assemelham. Dentro dessa família há vários tipos de coronavírus, inclusive os chamados SARS-CoVs (a síndrome respiratória aguda grave, conhecida pela sigla SARS, que há alguns anos começou na China e se espalhou para países da Ásia, também é causada por um coronavírus).
  • SARS-CoV-2: vírus da família dos coronavírus que, ao infectar humanos, causa uma doença chamada Covid-19. Por ser um microrganismo que até pouco tempo não era transmitido entre humanos, ele ficou conhecido, no início da pandemia, como “novo coronavírus”.
  • Covid-19: doença que se manifesta em nós, seres humanos, após a infecção causada pelo vírus SARS-CoV-2.

Feitas as definições, cabe ainda informar que embora a Covid-19 cause grande mortalidade na população, ela não tem grande letalidade, vejamos os conceitos:

  • Mortalidade: É o tanto de pessoas que adoeceram e morreram em relação a toda a população de uma região. Tem relação com um cenário geral, como a totalidade de mortos por determinada doença em uma população inteira durante uma pandemia, epidemia ou surto.
  • Letalidade: está ligada ao patógeno (o vírus SARS-CoV-2, no caso) e avalia o número de mortes em relação às pessoas que apresentam a doença ativa, e não em relação à população toda. Em outras palavras, mede a porcentagem de pessoas infectadas que evoluem para óbito. O SARS-CoV-2 não tem uma alta letalidade (2,9%), pois muitas pessoas que contraem o vírus ficam assintomáticas, às vezes sem nem mesmo saber que estão infectadas.

Embora a doença não apresente alta letalidade, ela tem alto poder de transmissão em suas diversas cepas, ocasionando sua grande taxa de mortalidade.

Com o avanço da vacinação em todos os estados brasileiros, tendo boa parte da população já vacinada com duas doses ou mais, algumas pessoas por convicções ideológicas, pseudocientíficas ou outros motivos, se recusam a ser vacinadas.

Vacinação e funcionários do condomínioPois bem, o Ministério do Trabalho e Previdência, recentemente, em 1º de novembro deste ano de 2021, publicou a Portaria nº 620, cujo texto assim dispõe nos seguintes artigos:

“Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, nos termos da Lei nº 9029, de 13 de abril de 1995.

§ 1º Ao empregador é proibido, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação, certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo, atestado ou declaração relativos à esterilização ou a estado de gravidez.

§ 2º Considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação.
(destaques não constantes do texto original)

E o artigo 4º da mesma portaria assim estabelece:

“Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos termos do art. 1º da presente Portaria e da Lei nº 9029, de 13 de abril de 1995, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:

I – a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais;

II – a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.”

O artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso II, dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

Já o artigo 22 de nossa Lei Maior, em seu caput e inciso I, menciona que compete privativamente à União legislar sobre: I – direito –civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.”

Vemos, pelos dispositivos constitucionais citados, que somente a lei pode instituir uma obrigação de fazer ou deixar de fazer aos cidadãos do país.

Outro dispositivo constitucional, precisamente o art. 87, em seu parágrafo único e inciso II, dispõe: “Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas na Constituição e na lei: II – expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;”.

Assim, o Ministério do Trabalho e Previdência não tem o poder de dispor sobre assunto que não esteja previsto em lei, decreto ou regulamento, posto que sua função é de expedir instruções para dar executividade a normas já existentes em nosso ordenamento jurídico e não de criá-las.

Por outro lado, existe a Lei n. 13.979/2020 que trata das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, em seu artigo 3º, inciso III, letra “d”, assim dispõe:

“Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)

III – determinação de realização compulsória de:

d) vacinação e outras medidas profiláticas; “

Referida lei, que regula explicitamente a vacinação compulsória, teve sua vigência encerrada em 31/12/2020, pois estava atrelada à vigência do Decreto Legislativo n. 6/2020 que findou nessa data; todavia, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão no seguinte sentido, ipsis verbis:

“I — A Lei 13.979/2020, com o propósito de enfrentar de maneira racional e tecnicamente adequada o surto pandêmico, permitiu que as autoridades adotassem, no âmbito das respectivas competências, determinadas medidas profiláticas e terapêuticas.

II — Embora a vigência da Lei 13.979/2020, de forma tecnicamente imperfeita, esteja vinculada àquela do Decreto Legislativo 6/2020, que decretou a calamidade pública para fins exclusivamente fiscais, vencendo em 31 de dezembro de 2020, não se pode excluir, neste juízo precário e efêmero, a conjectura segundo a qual a verdadeira intenção dos legisladores tenha sido a de manter as medidas profiláticas e terapêuticas extraordinárias, preconizadas naquele diploma normativo, pelo tempo necessário à superação da fase mais crítica da pandemia, mesmo porque à época de sua edição não lhes era dado antever a surpreendente persistência e letalidade da doença.

III — A prudência — amparada nos princípios da prevenção e da precaução, que devem reger as decisões em matéria de saúde pública – aconselha que as medidas excepcionais abrigadas na Lei 13.979/2020 continuem, por enquanto, a integrar o arsenal das autoridades sanitárias para combater a pandemia.

IV — Medida cautelar referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 8º da Lei 13.979/2020, com a redação dada pela Lei 14.035/2020, a fim de excluir de seu âmbito de aplicação as medidas extraordinárias previstas nos artigos. 3º, 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E, 3º-F, 3º-G, 3º-H e 3º-J, inclusive dos respectivos parágrafos, incisos e alíneas” (STF, Pleno, Ref-MC-ADI 6.625/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 12/4/2021). (destaques não constantes do original)

Podemos concluir a existência de uma lei, no caso a Lei n. 13.979/20 a autorizar a vacinação compulsória, tendo em vista a validação de sua continuidade pela Suprema Corte do país, sendo que um dispositivo infralegal, no caso uma portaria, não poderia dispor de forma contrária a ela.

De acordo com a CLT:

“Art. 158 – Cabe aos empregados:
I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior;
II – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.
Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:
a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;
b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.”
(destacamos)

O item II do artigo anterior, ou seja, o artigo 157, é do seguinte teor: “Art. 157 – Cabe às empresas:
II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;”.

Da leitura dos dois artigos, podemos concluir ser possível enquadrar o empregado que se recuse a ser vacinado em cometimento de ato faltoso perante o empregador, podendo ser demitido por justa causa, o que, a princípio, estaria vedado pela novel portaria.

Vários partidos políticos ingressaram com ações junto ao STF requerendo seja reconhecida a inconstitucionalidade dos referidos dispositivos da Portaria n. 620 do MTP e em breve deverá ser proferida uma decisão daquela Corte sobre o assunto.

Até lá entendemos que o condomínio que não queira expor à Covid-19 seus empregados e moradores, poderá afastar o empregado que se recuse a apresentar atestado de vacinação, todavia sem suspender sua remuneração, aguardando a decisão do STF a respeito da portaria em apreço e, uma vez declarada sua inconstitucionalidade, o empregado mantendo sua decisão de não se vacinar, aplicar-lhe a rescisão motivada (justa causa) por ato de indisciplina ou de insubordinação (art. 482, letra “h”, da CLT).

Em outra hipótese, que entendemos remota, caso o STF julgue válida a Portaria 620 e, portanto, inviabilize a dispensa motivada do empregado que não se vacinar, o condomínio poderá efetuar sua dispensa de forma simples, pagando-lhe os direitos rescisórios dessa modalidade de demissão que não necessita que seu motivo seja declarado para tanto, daí também ser conhecida como imotivada.

Quanto aos prestadores de serviços terceirizados no condomínio, este poderá requerer que a empresa de terceirização de mão de obra substitua o empregado que se recusa a ser vacinado por outro comprovadamente vacinado, haja vista que o condomínio neste caso é tomador de serviços da empresa e não empregador direto do terceirizado colocado à sua disposição.

Finalizando, informamos que na sexta-feira passada (12/11/21), em decisão monocrática, o Ministro Luís Roberto Barroso do STF (Supremo Tribunal Federal) deferiu cautelar para suspender os dispositivos aqui apontados da Portaria 620, assim possibilitando que os empregadores demitam ou não contratem trabalhadores que não comprovem já ter se vacinado contra a Covid-19; todavia, tal decisão ainda será submetida ao plenário do STF para sua confirmação ou não. Cabe-nos aguardar.

FONTES CONSULTADAS:

  • https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-noticias/qual-a-diferenca-entre-sars-cov-2-e-covid-19-prevalencia-e-incidencia-sao-a-mesma-coisa-e-mortalidade-e-letalidade;
  • https://www.conjur.com.br/2021-nov-12/barroso-derruba-portaria-empresas-podem-exigir-vacina-covid?

*Carlos Cabral é dvogado com escritório em São Paulo – Capital, especialista em Direito do Trabalho material e processual pela  ESA/OAB (Escola Superior de Advocacia de São Paulo) e pós-graduado em negócios imobiliários pela  FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado).
Ocupou durante vários anos o cargo de assessor jurídico no Sindicato da Habitação de São Paulo, prestando consultoria trabalhista aos síndicos e conselheiros de condomínios da capital e interior do Estado, às administradoras e demais empresas do ramo imobiliário, dentre outras atividades correlatas. 
Foi presidente da Comissão de Direito do Trabalho da 100ª Subseção da OAB – Ipiranga na gestão 2016/2018, sendo também membro da Comissão de Direito Condominial da mesma subseção nesse período.
É palestrante, autor dos livros “O Direito do Trabalho nos Condomínios” e “Manual de Direito do Trabalho para Condomínios”, este último estando em sua terceira edição pela editora LTr – São Paulo, escreve artigos para periódicos, bem como ministra aulas em cursos sobre Direito do Trabalho.

 

 

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