Traição no condomínio e outros temas delicados: como o síndico deve agir?
Machado de Assis, já no ano de 1899, através do romance Dom Casmurro, apresentava o protagonista Bento, que narrava sua história de amor e o drama de sua vida ao se apaixonar por Capitu.
O morar em condomínio facilita a traição? Acredito que Machado de Assis, diria que sim, pois em sua obra literária, Bentinho se apaixona por Capitu, onde o autor destaca que se tratava de sua “vizinha”. Ele faz questão de evidenciar essa particularidade.
Acredito que você caro(a) leitor(a) e colega síndico(a), esteja se perguntando o que Machado de Assis tem a ver com universo e gestão de condomínios, e eu vou te dizer: tem tudo a ver! Afinal, um bom gestor de condomínios possui o dever de entender e compreender as inquietudes e nuances que ocorrem na sociedade e que se refletem dentro dos edifícios, tendo um conteúdo intelectual para que possa dialogar com a massa condominial em alta performance, livre de falas carregadas de preconceitos estruturais e juízo de valores.
Traição não é um assunto novo, mas e no condomínio?
Muito se fala a respeito de excesso de barulho, conflitos entre vizinhos, uso inadequado das áreas comuns, visitantes nas piscinas, inadimplência, direitos e deveres da massa condominial e tudo mais que envolve o universo de gestão de condomínios. Mas, hoje, o convite é para dialogarmos a respeito de tema, pouco explorado sobre perspectiva de gestão de condomínios. Não que seja um tema incomum, mas pouco verbalizado. Falar sobre traição conjugal dentro de condomínios, entre os moradores, onde essa demanda, às vezes, acaba se debruçando sobre a mesa do síndico(a), em decorrência de conflitos, intimidades, muitas vezes, ocorridas nas áreas comuns do condomínio e o confronto de direito de proprietário e o possuidor da unidade.
Traição não é novidade, evidentemente, e não cabe julgamento moral para além dos envolvidos. Todavia entendo ser importante gestores saberem dialogar e estarem preparados para gerenciar esse tipo de conflito, sem apresentar uma fala com juízo de valores, mas com acolhimento, ficando apenas no papel de gestor das áreas comuns, evitando ao máximo ser invasivo. Se policiando para não entrar na esfera pessoal dos envolvidos e, principalmente, controlando a curiosidade frente ao ato ocorrido.
Caso de traição real no condomínio – O mais emblemático
Já vivenciei casos de traição em condomínio, um deles foi anos atrás, que através de reunião da gestão, dois conselheiros se conheceram, e acabaram se envolvendo, gerando grande repercussão frente à massa condominial. Outro mais recentemente, onde vivenciei caso de traição entre vizinhos, onde o esposo traído solicitou imagens de câmeras para visualizar sua esposa se encontrando com o vizinho nas áreas comuns. Solicitou, ainda, bloqueio de acesso da esposa na unidade e jogou literalmente todos os utensílios de roupas e objetos no corredor do andar, atrapalhando os demais proprietários de circularem. Mas tive um caso mais emblemático para mim, onde a esposa traída, chorando em frente à portaria, pedindo socorro ao porteiro, alegava estar destruída. Peguei essa mulher no chão, tirando da situação de exposição frente aos demais vizinhos, levei para administração e peguei em sua mão, e juntas choramos. Ali não cabia palavras, somente empatia e acolhimento.
A traição provoca dor. Descobrir que o companheiro(a) é infiel é um dos momentos mais difíceis da vida de alguém. Os sentimentos que surgem após a descoberta da infidelidade podem causar estragos no emocional tanto para quem foi traído quanto para quem traiu, por isso necessita de habilidades ao conversar com as pessoas que estão vivenciando esse momento. Como diria saudoso Nelson Rodrigues:
“Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.”
Constrangimento e intimidade sexual de vizinhos
Agora vamos tratar uma outra demanda. Qual síndico, não recebeu reclamação frente a intimidades sexual do vizinho de cima, ou aquele morador que fica pelado na janela?
Prática do voyeurismo é o nome, para quem possui fetiche mórbido com relação à privacidade do outro. Importante que sindico compreenda essa dinâmica para que possa identificar e trabalhar, afinal o que alimenta o fetiche é saber que o outro sabe! Não estou entrando na esfera jurídica, deixo para os advogados trabalharem esse tema. Meu posicionamento é trazer temas silenciados na sociedade para juntos refletirmos a respeito, melhorando o atendimento frente à essas demandas e sendo assertivos com a massa condominial de forma macro.
Voyeurismo no condomínio – Como tratar?
O voyeurismo é uma prática que incide num sujeito conseguir obter prazer sexual através da observação de pessoas. E a prática ainda é um tabu quando se conversa sobre sexualidade. A palavra tem origem na língua francesa “aquele que vê”. Os adeptos do voyeurismo, são chamados de voyeur observador ou exibicionista, O exibicionista sente prazer em se mostrar para outras pessoas, ou seja, de ser observado em momentos íntimos.
Se a intenção é trabalhar para finalizar essa situação, não recomendo que sindico se posicione somente através de comunicado, pois como dito, isso que alimenta a fantasia, e reforça esse comportamento.
A recomendação é que sindico deve dialogar de forma franca e objetiva, dando ciência ao morador de que sua intimidade está trazendo incômodo à massa condominial.
A conversa deve ser tratada com muita naturalidade, descontração, verbalizando o quanto o sexo é saudável e promove alegria entre as pessoas. Todavia, o gestor deve elucidar frente aos prejuízos que o comportamento inadequado pode trazer, se não respeitar o convívio da coletividade. Afinal sua intimidade deve ocorrer no privado e não no público. O psicólogo Frederic Skinner defendia que:
“O autoconhecimento tem um valor especial para o próprio indivíduo. Uma pessoa que se ‘tornou consciente de si mesma’, por meio de perguntas que lhe foram feitas, está em melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento.”
Condomínios são um retrato da nossa sociedade. Engana-se quem pensa que não existem atrás dos muros de concretos e grades de condomínios, as mesmas pulsões que Freud (1915) defendeu em sua obra. Gente é gente em qualquer ambiente social, sujeito a anseios e paixões.
Que sejamos gestores, educados a ouvir, olhar sem julgar e falar sem ferir. Promovendo assim, um empreendimento com harmonia e organização. Não sejamos gestores punitivos e omissos, mas que acreditam na transformação através do educar, assim como acreditava Paulo Freire:
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
Conteúdo redigido por Jailma Brito, síndica profissional.