O CONDÔMINO ANTISSOCIAL
Em se tratando de condomínio, ou seja, de propriedade compartilhada de um bem, juridicamente viável nos termos da legislação cível brasileira, gera direitos e deveres. Dentre estes, há o de convivência harmoniosa, o que se traduz na ideia de ‘boa vizinhança’, uma vez que a propriedade é simultaneamente compartilhada em relação aos espaços em comum, é necessário estabelecer diretrizes e normas que possam orientar o comportamento indistinto de todos os coproprietários sobre o bem, visando preservar seu ‘uso normal’, regular ou esperado, o sossego, a segurança individual e coletiva e outros direitos e garantias decorrentes da legislação ou das normas internas adotadas pelo condomínio.
O convívio social demanda respeito e muita empatia. Antes de tudo, é preciso respeitar o outro, ao passo que é possível, também, exigir ser respeitado, em uma relação de mútua cordialidade. De acordo com ilustre Professor, Vander Ferreira de Andrade (2020, p. 91), “a vida em condomínio, especialmente por envolver questões e aspectos de natureza coletiva e comum, requer harmonia, respeito mútuo e cedência recíproca em função de interesses possivelmente não convergentes”. Ocorre que, muitas vezes, essa não é a realidade: ainda em condomínio, vivendo-se, sob certa perspectiva, em coletividade, o desrespeito às regras e normas condominiais é uma possibilidade.
Nesse contexto, o chamado ‘uso anormal’ da propriedade ganha relevo, referenciando os atos perpetrados por um ou uns dos coproprietários em detrimento aos demais que possam representar, nos termos do artigo 1.227 a 1.284 do Código Civil, “(…) interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde (…)” dos demais condôminos (BRASIL, 2002). Não há, no Código Civil, um rol taxativo ou exemplificativo que faça referência aos atos considerados “de uso anormal” da propriedade: sua qualificação decorre de interpretação pautada na legislação, sendo que a afronta à segurança, sossego e saúde dos condôminos por atos particulares e individualizados é a principal premissa norteadora para tanto.
A conduta reputada como “antissocial’ é uma das espécies de atos que, doutrinária e jurisprudencialmente, é referenciada como atentatória aos direitos e deveres do condomínio e que representa um ‘uso anormal’ do bem. O Condômino antissocial age com o comportamento antissocial é aquele nocivo, insociável, que contraria a sociedade condominial; está presente nas situações que atentam contra a estabilidade das relações sociais estabelecidas entre os coproprietários, aquele que tende a inviabilizar a conduta harmônica.
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Como comprovar comportamento antissocial?
É perpetrado pelo ‘condômino antissocial’, aquele “(…) proprietário ou possuidor que descumpre reiteradamente deveres perante o condomínio (…)”, trazendo discórdia, desordem, desassossego e outros atos que, por sua natureza, afrontam direitos e deveres do condomínio e comprometem a boa ordenação e convívio entre os coproprietários. De fato, o condômino antissocial é aquele que se comporta de forma a trazer incômodo e prejuízo à vida coletiva no condomínio, gerando incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores. Não é o caso por exemplo, da falta de cordialidade ou comunicação: a conduta antissocial tem reflexos diretos e notáveis no uso e gozo da propriedade pelos demais condôminos, que experimentam restrições ou violações ao seu sossego, à saúde e segurança e a outros direitos e garantias eventualmente previstos na legislação ou nas normas internas do condomínio (GONÇALVES, 2019).
O comportamento antissocial, portanto, é aquele que excede a regularidade do convívio entre os coproprietários e que contraria insuportavelmente a legislação ou as normas condominiais (MORAES, 2017). Não tem a ver, portanto, com juízos valorativos feitos individualmente pelos demais proprietários, o que poderia representar uma restrição ilegal ou antijurídica ao uso da propriedade, considerando que, na seara dos valores, o condomínio comporta o convívio não necessariamente optado por pessoas que pensam e agem de formas diferentes e, em certos casos, até mesmo contraditórias.
O caráter ‘antissocial’ da conduta está refletido em atos e ações do condômino que, ressalta-se, afrontam o sossego, a segurança e a salubridades dos demais em decorrência de um uso anormal, excedente à normalidade de sua unidade habitacional ou dos espaços comuns; sem desconsiderar a possibilidade de um atravessamento moral ou valorativo, quando tal premissa está vertida na legislação ou nas normas do condomínio. É o caso, por exemplo, de notórias regras que impõem o uso (ou não) de determinados tipos de vestimentas (ou a falta delas) em espaços comuns: para além da possível moralidade que reveste esses regramentos, o que importa é a sua “redução” a uma norma optada e deliberada pelos proprietários que, organizados em maioria, podem livremente estipular direitos e deveres a serem observados pelos demais.
Como destacam Nery Junior e Nery (2014), a responsabilidade do condômino envolvida nesses casos é objetiva, decorrente das obrigações incorridas pela titularidade do bem, privilegiando-se o respeito ao direito de propriedade dos demais; assim, a oposição de argumentos que intentem afastar a culpa daquele que age de maneira antissocial, ainda que moralmente relevantes, não são capazes de elidir sua responsabilidade.
Em síntese no contexto da convivência condominial, a existência de uma pessoa com conduta antissocial vai muito além, como visto, da existência de regras jurídicas que regulamentam a propriedade conjunta, como o Código Civil e a Lei dos Condomínios Edilícios. O prejuízo aos direitos dos demais pela conduta nociva do infrator admite sua exclusão do convívio dos demais, que não poderão sofrer ter o seu direito abalado em função da infração de apenas uma pessoa.
A boa convivência no condomínio está em consonância com o respeito as normas, pautadas a garantir o direito de todos e para manter uma convivência sadia. O condômino antissocial, ao contrário, afronta a vontade da Lei e a boa-fé e, quando prática condutas nocivas e temerárias aos demais, deixa de respeitar e de dar destinação social à sua propriedade, prejudicando, sobretudo, valores essenciais para o convívio em conjunto: o sossego, a segurança e a tranquilidade da massa condominial.
Em suma, diante do exposto, espera-se que a jurisprudência e a doutrina incorporem a premissa de punição do condômino antissocial, vindo a prevê-la na Lei, inclusive. Toda iniciativa e possibilidade que busque preservar ou ampliar a estabilidade da relação condominial é importante, de maneira a garantir-se, ainda que pela intervenção do Poder Judiciário, o bem-estar, direitos e garantias da coletividade que convive em condomínio. Nessa vereda, há fundamentos jurídicos, legais e jurisprudenciais, sendo mais específico, para buscar-se a exclusão do condômino antissocial.
Referências
ANDRADE, Vander Ferreira. Manual do Síndico Profissional. 2.ed. São Paulo: Nelpa, 2020.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27 out. 2022.
BRASIL. Lei nº 4.591 de 7964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República em 21 de dezembro de 1964. Diário Oficial da União, Brasília, 1964. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm. Acesso em: 27 out. 2022.
BRASIL. Lei nº 10.406 de 2002. Código Civil. Decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República em 11 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 27 out. 2022.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
MORAES, Eduardo. A conduta antissocial e contumaz do condômino e suas implicações. Portal Migalhas, [S.l], 02 jun. 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/259850/a-conduta-antissocial-e-contumaz-do-condomino-e-suas-implicacoes. Acesso em: 22 nov. 2022.