Condôminos antissociais
Para a grande maioria das pessoas é claro que, ao morar em condomínio, você vai estar em comunidade. Que, para que a vida transcorra sem problemas, é fundamental seguir as regras de convivência do local em que se vive – e que nem seria desejável morar em um local sem regras.
Há, porém, uma pequena minoria, que incomoda tanto, se comporta tão mal, agride, é violenta a um ponto em que se faz necessário cessar a sua convivência com o resto da comunidade em que vivem.
A esse tipo de pessoa, damos o nome de condômino antissocial.
Na última semana, um caso do tipo trouxe luz ao assunto.
Um condômino da cidade de São Paulo só pode, agora, transitar entre sua unidade, o elevador e a saída. Não pode mais circular pelas áreas comuns do condomínio.
Isso porque este morador, em específico, fez tudo o que não se pode fazer quando se quer uma boa convivência com os vizinhos.
“Ele estava sempre minando o relacionamento dele e entre as outras pessoas no condomínio. Realmente, a convivência com as outras pessoas ficou inviabilizada”, explica Marcio Rachkorsky, advogado do caso e co-fundador do SíndicoLab.
Veja alguns dos problemas em que o morador se envolveu:
- Usou a área da churrasqueira do condomínio para estender roupas;
- Usou o salão de festas sem reserva para uma reunião que se alongou madrugada adentro, fazendo barulho e causando perturbação do sossego;
- Realizou mudança fora do horário permitido e deixou seus móveis e pertences no corredor;
- Usou toda a lavanderia para secar sua roupa e impossibilitou que outra moradora também se utilizasse do espaço;
- Agrediu fisicamente um funcionário da construtora que estava no condomínio trabalhando;
- Agrediu fisicamente o zelador do condomínio;
- Despejou tinta vermelha não apenas na porta da sua unidade, mas também no chão do condomínio, para parecer que eram gotas de sangue;
- Usou a sala de ginástica para dormir;
- Estacionou seu carro na calçada do condomínio, atrapalhando tanto os condôminos como os transeuntes;
- Dormiu no hall do condomínio, e depois danificou portas e paredes, além de transitar sem camisa pelas áreas comuns;
- Assediou uma menor de 13 anos, convidando-a a se tatuar na sua unidade. Quando negou a oferta, a menor passou a ser ofendida pelo morador em questão;
- Ao discutir com outro morador, ameaçou explodir o condomínio, pois ‘sabia onde estava a tubulação de gás’, gerando pânico na comunidade.
Como é possível perceber, a lista de transgressões à boa convivência não é pequena – chegando até ao cometimento de crimes.
“O morador antissocial sempre começa com pequenas transgressões, que vão escalando com o passar do tempo”, conceitua André Luiz Junqueira, advogado especializado em condomínios e sócio da Coelho, Junqueira & Roque Advogados, que já conseguiu ‘expulsar’ três moradores com este perfil dos condomínios.
Condôminos antissociais: como o síndico profissional deve agir?
É difícil que o síndico profissional não se sinta provocado a tomar ações que busquem resgatar a paz e o bom convívio no condomínio.
“Muitas vezes, percebemos os primeiros sinais de incompatibilidade com a vida em condomínio nas assembleias. É aquele que grita com todos, é mal educada e acusadora. Ninguém consegue dialogar com esta pessoa, que quer ter razão, apenas”, aponta André.
E, como já foi explicado, como o comportamento antissocial começa menor e vai crescendo, assim também devem ser as multas aplicadas, como descreve o artigo 1.337 do Código Civil:
“Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Ver tópico (3792 documentos)
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia”
Ou seja: o síndico não deve, nunca, começar já com a ação de afastamento do condômino ou morador inadimplente. Ele deve, antes, dialogar, alertar e, só depois, se nada adiantar, multar.
“É fundamental que o morador em questão sempre tenha condições de se defender em assembleia sobre as multas tomadas. É importante que todo o processo de defesa das multas seja claro e seguido corretamente, de forma a dar uma chance justa da pessoa se defender”, aponta.
Se mesmo depois de algumas multas as mesmas não forem pagas e as condutas inadequadas continuarem, aí pode-se aplicar, primeiro, a multa de cinco vezes o valor da cota condominial, como citado na lei.
Caso não haja melhora nos comportamentos nocivos, aí pode-se passar para a multa de dez vezes o valor da cota condominial.
“É importante, nesses casos, sempre preservar o direito de defesa do acusado, nesse caso, o morador que está sendo multado”, aponta João Paulo Rossi Paschoal, advogado especializado em condomínios.
Acompanhamento do caso é essencial
Acompanhar o caso de perto, desde o início, é fundamental para que todos os envolvidos possam tomar decisões informadas.
Há alguns anos, o síndico profissional Nilton Savieto teve problemas com uma inquilina antissocial.
O comportamento dela foi se agravando com o passar do tempo, e ela fez uma queixa de que alguém no condomínio a estaria espionando, entrando na unidade dele – o que não era verdade.
O caso durou cinco anos e envolveu o delegado da DP mais próxima e até o Ministério Público.
“Desde o começo deixamos a proprietária a par do que estava acontecendo. A moradora parou de pagar o condomínio e também começou a ser multada, quando espalhava lixo pelos corredores, ou quando trancava o elevador. Quando finalmente conseguimos que ela saísse, via ação judicial, a moradora ficou chocada com tudo que teria que pagar ao condomínio. Porém, sempre a deixamos cientes do que estava acontecendo”, explica Nilton.
E quando não é possível fazer as assembleias?
Para que uma ação na Justiça tenha sucesso, ainda mais uma complexa como a de expulsão de um morador antissocial, é importante seguir todos os passos. Mas e quando isso fica inviabilizado?
“Já tive casos em que não conseguimos fazer a assembleia para aprovar a expulsão do morador porque os vizinhos tinham medo dele. Era um cara conhecido por brigar na rua, aqui na vizinhança. Ele também costumava levar mendigos para dentro do condomínio, ao ponto de, quando ele não estava, os mendigos pularem o muro e ficarem esperando por ele nas áreas comuns”, explica André Luiz Junqueira.
Com o cenário de convivência explicado e documentado para o juiz, foi possível que o mesmo entendesse a gravidade da situação.
“Antes de não poder mais entrar no condomínio, o mesmo vendeu a unidade um pouco antes”, conta André.
O que é, exatamente, um morador antissocial?
Vale ressaltar aqui que não dá para comparar o morador que faz uma festa com som alto uma vez por ano – e paga a multa – ou aquele que tem proble
Outro ponto importante é que a pessoa fica proibida de morar ou circular pelo empreendimento, mas continua na posse do seu bem.
“Tirar alguém da sua unidade é algo muito sério e deve realmente ser uma decisão tomada apenas quando todas as outras estiverem esgotadas”, aponta o advogado especializado em condomínios João Rossi Paschoal.
Realmente, para privar o dono de sua unidade é necessário que a situação seja realmente extrema.
“O principal a ser observado é o nível de incompatibilidade de convivência da pessoa com o resto da comunidade”, explica André Luiz Junqueira.
Ou seja, é preciso que realmente seja insuportável conviver com a pessoa. Que dê medo pegar o elevador com o vizinho antissocial, e que ele desperte preocupação, como o primeiro caso sobre o qual falamos, quando o morador ameaçou explodir o condomínio deixando o gás aberto.
“Muitas vezes, essas pessoas passam a vida infernizando os outros. Mas em condomínios, temos que dar um basta. Não dá para uma pessoa, apenas, dominar a paz de toda uma comunidade porque está ou é desequilibrada. Em condomínios queremos viver em paz, e é importante que os condomínios que passem por isso busquem uma assessoria jurídica especializada”, aponta Marcio.
João Paulo Rossi Paschoal, concorda. “A sociedade tem que acreditar no Judiciário para resolver seus problemas. O ideal é que a lei já contasse com esse caminho [para tirar o condômino da unidade] mas já temos o caminho”, explica.
Como fica o condomínio depois da supressão do condômino antissocial?
A síndica Carolina Pedroso, de Curitiba, pode atestar, com conhecimento de causa, como o condomínio pode ir do inferno ao céu quando o condômino antissocial não convive mais com a comunidade.
O caso do condomínio de Caroline foi amplamente coberto pela mídia local e o condômino antissocial tinha o apelido de “Rei do B.O.”.
“Imagine conviver com um condômino que agrediu fisicamente a síndica, agrediu idosos no condomínio, o porteiro. Não deixava ninguém falar em assembleia. Depois que ele me agrediu, não queria mais cruzar com ele no elevador ou na área social. Temi também pela minha filha.
Após esses episódios, contratamos um advogado especializado, que deixou claro que não seria fácil expulsá-lo do condomínio. Porém, já tínhamos tanta prova, tanto material comprovando o que ocorria, os inúmeros boletins de ocorrência registrados contra ele, que essa parte não foi a mais desafiadora. O advogado explicou que precisaríamos de uma assembleia com quórum específico, e esses encontros já estavam bastante esvaziados por conta, justamente, da conduta deste condômino.
Como estava todo mundo já bastante cansado da situação, fizemos um trabalho forte e próximo aos condôminos e conseguimos todo o necessário para o quórum da assembleia. Isso foi o que me deixou mais satisfeita. Ver toda a comunidade se movimentando para reparar uma situação injusta.
Além do comportamento inaceitável, ele também estava devendo a taxa condominial há bastante tempo, e sabia que, em algum momento, iria perder a unidade.
No dia que ele foi embora, veio polícia, oficial de Justiça, para acompanhar. Tivemos que lacrar a unidade e ele nunca mais entrou aqui no condomínio.
O processo ainda continua, pois ainda temos que receber os atrasados referentes às taxas condominiais, mas posso dizer que aqui virou outro lugar depois que ele foi embora.
A paz reina no condomínio, e não há nenhuma unidade para alugar. Fazemos festas nas áreas comuns e as pessoas se dão bem, é algo muito gostoso.
Outra coisa é que parece que antes, por causa dos comportamentos dele, a bagunça era maior, porque dava a impressão que todos estavam autorizados a ter os mesmos comportamentos, o que já não acontece mais.
Não conseguimos reformar a fachada, porque ele ameaçava os funcionários de cortar a corda de proteção. Hoje, com as benfeitorias feitas, digo que tomamos a decisão certa, porque a paz não tem preço.
Pagamos cerca de R$ 60 mil na ação, e valeu muito a pena. Recomendo que os síndicos que estejam passando por isso não desistam, procurem um advogado e vão em frente”.
Condôminos antissociais