De patinho feio a cisne – a assessoria de direito condominial
Qualquer manifestação intelectual demanda inspiração, e aqui para iniciar esse artigo, que retrata um pouco de nossa vivência desse vasto universo condominial, começamos o texto com parte da letra da musica de rock da conhecida e banda Titãs – Homem Primata , ressoando em nossos ouvido a estrofe : “ Eu me perdi na selva de pedra , eu me perdi, eu me perdi…. “
E com a selva de pedra na cabeça, com essa “plantação” de condomínios erigidos em todas as grandes e médias cidades brasileiras, com tantos “bichos” condominiais soltos e atuando nessa selva e a necessidade de regrar e “domar” tantos temas, inicio nosso relato, tratando da Advocacia Condominial e especificamente da Assessoria Jurídica aos Condomínios.
Como em qualquer macro/micro/ecossistema, o universo condominial é regido pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo por norma fundadora o Decreto 5.481/1928, a Lei nº 4.591/64, a Lei dos Condomínios e Incorporações Imobiliárias cuja autoria é do Mestre (com letra “maiúscula” ) do Dr. Caio Mário da Silva Pereira e o Capítulo “Condomínios Edilícios” dos artigos 1331 a 1358 do Código Civil vigente, observando que a importância e o crescimento populacional e a expansão das cidades obrigaram, o legislador pátrio ir a cada momento da nossa recente história dar mais atenção “legislativa” ao tema.
E nesse sentido podemos citar que grandes nomes de nosso meio jurídico dedicaram parte de sua vida acadêmica ao estudarem e doutrinarem o tema “condomínio edilício”, como por exemplo: o “Papa” do Direito J. Franco do Nascimento (contemporâneo do precitado Dr. Caio Mario da Silva Pereira), nosso saudoso Sylvio Capanema e Professor Silvio Savio Venosa, todos dignos de nossa homenagem nesse singelo artigo, pois sem suas pedras fundadoras no mundo jurídico condominial, talvez não estaríamos aqui a cismar a respeito desse universo jurídico infinito.
Pois bem, cá estamos escrevendo, tendo como vista panorâmica a selva de pedra. Observando que cada condomínio, tal e qual as árvores o são na floresta, são, sem sombra de dúvida, organismos vivos em estado constante de mutação, com história própria , carregando consigo a marca de sua população local.
E por conta da força desse universo particular que cada condomínio edilício representa, inserido nesse metaverso , concluímos que o advogado especialista é essencial no cotidiano condominial.
E aqui não estamos limitados a questão da inadimplência que é o tema mais recorrente e alvo de atuação dos profissionais jurídicos. Muito pelo contrário. O universo condominial se expandiu de tal forma que não é apenas um nicho de mercado, mas objeto de estudo e teses na área de gestão e na area jurídica em especial. Ficou para trás o tempo que o advogado condominialista era o patinho feio do Direito. Arriscamos um palpite, hoje somos um belo cisne , cortejados por cursos de especialização de instituições de ensino prestigiadas.
Cabe nesse texto, uma referência especial ao Dr. Márcio Rachkorsky, que desbravou também esse grande mar jurídico, abrindo caminho para toda uma geração de advogados atuantes nessa área especialmente aqui em SP e aqui me insiro neste contexto.
Feita essa introdução, passemos a nossa reflexão, que é a importância da assessoria jurídica no âmbito condominial. Os condomínios e seus gestores conseguem sobreviver sem a participação do advogado no cotidiano condominial? Conseguem… Porém podemos afirmar sem sombra de dúvidas que os empreendimentos assistidos de forma contínua pelo jurídico têm menos prejuízos, contratações mais acertadas, decisões em assembleias melhor norteadas, menos manejo de ações judiciais, pois grande parte dos conflitos são resolvidos por meio de acordos assistidos por jurídico e aqui cabem as relações internas (entre condôminos e com a própria gestão) e as relações com os prestadores de serviço.
Com a explosão demográfica, expansão imobiliária e a necessidade de aumentar a segurança patrimonial, os condomínios (residenciais e comerciais) estão cada dia maiores, seja por conta da estrutura construtiva ou por conta do número de condôminos. Há ainda o nascimento de novas tecnologias, formas de aquisição de propriedade (como as multipropriedades) e locações por meio de aplicativos, ou ainda fatos inesperados como o advento da pandemia COVID-19, que alteram as relações humanas e obrigam o síndico e administradores e até os próprios condôminos a expandirem seu modo de lidar com o condomínio e com a complexidade jurídica imposta pela realidade.
E por força de tal grandeza e complexidade que o advogado especializado em questões condominiais deixou o papel de consultor eventual para ser um braço da gestão, sendo presença necessária no cotidiano condominial e eventos que podem mudar o rumo dos condomínios, como as assembleias.
Devemos reconhecer que a máxima “é melhor prevenir do que remediar” é sem sobra de dúvida o ditado popular que deve ser observado no dia a dia condominial, senão vejamos:
Quantas vezes o condomínio e condôminos amargam prejuízos por força de contratos de prestação de serviços/ aquisições com cláusulas abusivas, com multas ou prazos inexequíveis, que invariavelmente são levados ao Judiciário, que além do custo financeiro (custas processuais, pericia e até a contratação do advogado) geram ansiedade e instabilidade na condução da gestão do empreendimento.
Não se pode perder de vista que há o complexo relacionamento com a construtora e incorporadora, que não termina no ato da instalação do condomínio, mas se estende por muitos anos por conta dos eventuais vícios de construção, sem deixar de mencionar que a construtora deixa sua maior herança: a convenção condominial. Que volta e meia carece de interpretação e de subsunção adequada a legislação vigente ou até mesmo de adaptação aos costumes locais, o que via de regra carece da interferência do jurídico para interpretar suas regras, ajustando sua aplicação de forma a dar segurança e conforto à massa condominial.
Há ainda os relacionamentos internos entre os próprios condôminos, e desses com o Corpo Diretivo, que volta e meia, necessitam de “sintonia fina” , sendo o advogado condominial o “juiz da causa” ou o mediador. Nesse sentido , com o advento da pandemia, quantas e quantas sessões de mediação presididas por advogados foram necessárias para ajustar o relacionamento de vizinhos, que antes nunca notaram a presença da vizinhança e uma vez trabalhando ou estudando em sistema home office, passaram a conviver e descobrir que a criança corre no apartamento vizinho, que o cachorro late, que a diarista tira os móveis de lugar para fazer a faxina, que os casais se relacionam intimamente. E haja trabalho do advogado para orientar, notificar e mediar conflitos.
A lista de trabalho é grande, e não à toa que o a área condominial, em especial jurídica, se tornou campo de atuação para muitos profissionais. Mas assim como a necessidade provoca a demanda e a possibilidade para inúmeros profissionais , há on reverso da moeda, qual seja: há os profissionais desavisados, que se aventuram sem preparo no universo condominial.
E aqui é preciso mencionar, que independente da consolidação da banca de advogados, se o profissional é singular ou tem uma equipe, é certo que o condomínio exige do advogado preparo técnico, conhecimento sólido da legislação condominial, em especial o capitulo do Código Civil dedicado à matéria, mas é muito mais que isso, o advogado precisa ter apego pela novidade legislativa e jurisprudenciais, pois muito de sua atuação é fundada nas decisões judiciais , na interpretação legislativa e no conhecimento multidisciplinar. Lidar com condomínio exige do advogado visão humanística, combinando a aplicação da lei com aspectos práticos, tendo em mente a mutabilidade da massa condominial que reflete as mudanças sociais vivenciadas pela sociedade. Nesse microcosmos o advogado experimenta de antemão as mudanças de costumes, as crises econômicas , a polarização politica e outras tantas demandas oriundas da condição social.
Poderíamos aqui elaborar um tratado a respeito do tema, considerando a paixão pela advocacia casada com a atividade desenvolvida no âmbito do Direito Condominial, hoje nosso cisne, mas de forma singela deixamos aqui essa a mensagem de que a assessoria jurídica é importante para fomento e segurança de qualquer atividade, em qualquer situação da vida precisamos da atuação do advogado.
Mas no âmbito condominial, cujas relações tornam-se cada dia mais complexas, basta ver os inúmeros eventos que precisam do toque jurídico para evitar brigas e prejuízos em desfavor dos condôminos, como a rede social que virou a assembleia antecipada, os condôminos que buscam incessantemente informações a respeito da gestão acessando contratos e atas por meio de aplicativos, o advento da Lei Geral de Proteção de Dados e a preocupação com o armazenamento de informações e pelos costumes que hoje mudam na velocidade do lançamento de um smartphone.
Logo a assessoria jurídica não é mais uma contratação de luxo ou tal e qual uma obra voluptuária, não é um deleite, mas necessária e integrada às necessidades primordiais da gestão.
Na nossa selva de pedra, o advogado condominialista é o grande guardião da floresta, é aquele que consegue enxergar e extirpar o espinho das flores, aos condôminos e aos gestores ficam o conforto da colheita certa, regular e segura em sua vida condominial.
Nessa caminhada seguimos enaltecendo os desbravadores da selva de pedra!
*Diego Basse é advogado especializado no mercado condominial
De patinho feio a cisne – a assessoria de direito condominial